A ureia como fonte negligenciada de azoto e energia para os microrganismos do mar profundo



Nestor Arandia-Gorostidi (ICM-CSIC) e colaboradores

 
Quando pensamos na vida no oceano, imaginamos frequentemente a sua superfície, onde prospera uma vasta diversidade de organismos, desde cetáceos e peixes a plâncton microscópico. Mas abaixo da superfície, nas profundezas escuras do oceano, encontramos um ecossistema completamente diferente, dominado em grande parte por organismos microscópicos como as bactérias e as árqueas. Estes organismos minúsculos são essenciais para manter o equilíbrio químico do oceano. Uma das maiores questões em microbiologia marinha é como é que estes micróbios sobrevivem num ambiente tão extremo, onde a luz solar não chega e os nutrientes são escassos. A nossa investigação centra-se numa surpreendente fonte de nutrientes para estes micróbios das profundezas do mar: a ureia, um composto rico em azoto que os organismos podem potencialmente utilizar para crescer e, em alguns casos, para gerar energia. A ureia está normalmente associada às águas superficiais, onde as suas fontes primárias incluem entradas fluviais e a excreção pelo zooplâncton e pelos peixes. No entanto, a sua presença e significado ecológico para o microbiota do oceano profundo permanecem desconhecidos.

Neste estudo, explorámos o papel da ureia como fonte de azoto e de energia química para os microrganismos do mar profundo. Colhemos amostras no nordeste do Oceano Pacífico em profundidades que variam de 50 a 4,000 metros e usámos análises metagenómicas combinadas (para detectar a distribuição de diferentes genes relacionados à utilização de ureia), medições da taxa de nitrificação (para quantificar a oxidação de amónio, incluindo amónio derivado de ureia, em nitrito para geração de energia) e espectrometria de massa de iões de célula (para medir a incorporação de isótopos ¹⁵N de ureia e amónio ao nível da célula).

Os nossos resultados mostraram que 60% das células microbianas activas no oceano profundo assimilam azoto a partir da ureia, mais ainda do que do amónio, apesar de o amónio ser uma molécula altamente assimilada nas águas superficiais. Além disso, detectámos que a nitrificação era alimentada tanto pelo amónio como pela ureia a todas as profundidades, demonstrando o seu papel como fonte de energia em habitats oceânicos tão profundos como 4000 m. Apesar do debate em curso sobre a origem da concentração relativamente elevada de ureia no oceano profundo (onde a migração vertical diurna dos peixes tem sido proposta como a fonte primária), os nossos resultados demonstraram que, em profundidade, a ureia serve como fonte significativa de azoto, apesar de negligenciada. Nalguns casos, pode também ser utilizada para a produção de energia através da nitrificação, desempenhando um papel crucial na manutenção da vida nos oceanos profundos, em grande parte desprovidos de energia. Por fim, ao analisar o conteúdo genómico dos micróbios de profundidade a partir de amostras de DNA recolhidas em vários oceanos do planeta, descobrimos que o gene ureC (que codifica a enzima responsável pela oxidação da ureia em amónio) está amplamente distribuído pelas comunidades microbianas de profundidade de todo o mundo. Na nossa região de estudo, 39% das células continham este gene, enquanto os dados genómicos globais indicam que até 46% das células do mar profundo o possuem. Estes resultados realçam a importância global da ureia na manutenção da atividade microbiana nos ecossistemas de profundidade.

Globalmente, o nosso estudo fornece uma nova perspetiva sobre o ciclo da ureia no oceano profundo, revelando a sua utilização generalizada e o seu papel significativo no ciclo do azoto. Ao preencher uma lacuna crucial na nossa compreensão do metabolismo microbiano no oceano afótico, realçámos a importância das comunidades microbianas do mar profundo na formação dos ciclos biogeoquímicos globais.

Read the full study here:

Arandia-Gorostidi, N., Jaffe, A. L., Parada, A. E., Kapili, B. J., Casciotti, K. L., Salcedo, R. S. R., Baumas, C. M. J., & Dekas, A. E. (2024). Urea assimilation and oxidation support activity of phylogenetically diverse microbial communities of the dark ocean. The ISME Journal. https://doi.org/10.1093/ismejo/wrae230


Texto escrito por Nestor Arandia-Gorostidi e editado por Clara Ruiz e Félix Picazo